Roteiro - O Mestre Ignorante
de Jacques
Rancière
por Luciana Vasconcellos
Capítulo I – Uma aventura intelectual
• Experimento de Jacotot – experimento autodidata – questionamento da necessidade das explicações do mestre.
- Necessidade de estabelecer um laço mínimo entre professor e aluno.
- Basta querer para poder – o homem quer compreender e ser compreendido.
• Desenvolvimento de um novo método baseado na emancipação.
• Método tradicional de ensino – Velho
- Transmitir seu conhecimento ao aluno para elevá-lo a sua própria ciência.
- O ato essencial do mestre é explicar – transmitir conhecimento e formar espírito.
- A criança pode aprender sozinha, mas não compreender.
• A explicação como mito da pedagogia – distinção entre aprender e compreender – questão do poder da palavra e do mestre.
- O explicador constitui o incapaz como tal.
- A explicação (mito da pedagogia) divide o mundo em duas inteligências – inferior e superior.
- Princípio da explicação – regressão ao infinito, reduplicação das razões.
- Princípio do embrutecimento – o compreender interrompe o fluxo natural da razão, pois “divide” a inteligência em duas. “Compreende que nada compreenderá, ao menos que lhe expliquem.” (p.25)
•Acaso e necessidade – Jacotot percebeu
que todas as inteligências tem a mesma natureza, que compreender é traduzir,
fornecer o equivalente de um texto, mas não sua razão – não há necessidade de
uma outra inteligência, não existe alguém com o poder de dizer a razão de um
texto.
-
Associar
ao conhecido - “adivinhar” – método natural.
-
Vontade
de reconhecer o que lhes é dito e poder se comunicar – esforço em direção à
resposta.
-
Intrínseco
a condição humana – querer a igualdade com aquele que lhe dirigiu a palavra.
-
Método
da igualdade de inteligências – método da vontade. Pode-se aprender sozinho por
vontade ou por necessidade.
• Aprender sem mestre explicador não
significa aprender sem mestre – há geração de conhecimento e estímulo do
mestre.
-
Dissociação
as funções de sábio e de mestre, bem como a inteligência e a vontade. No ato de
ensinar há duas inteligências e duas vontades.
-
Existe
o embrutecimento quando uma inteligência se subordina a outra.
-
Emancipação
- uma inteligência não obedece senão a ela mesma, ainda que a vontade obedeça a
outra vontade.
• O mestre pode ser emancipador ou
embrutecedor, ao mesmo tempo, pode ser sábio ou ignorante.
-
Como
não é o saber do mestre que ensina o aluno, pode se ensinar aquilo que se
ignora.
-
Forçar
o aluno a usar a própria inteligência – o mestre acredita que ele pode aprender
e o obriga a atualizar sua capacidade. Necessidade do mestre dar início ao
ciclo da emancipação.
• Questão do Ensino Mútuo – visto como
solução para a instrução do povo que tinha pouco tempo disponível.
-
Ensino
mútuo dos progressistas X ensino mútuo de Jacotot.
-
Para
Jacotot, o ensino mútuo envolveria a emancipação de um ignorante por outro,
para “que todo homem do povo pudesse
conceber sua dignidade de homem, medir a dimensão de sua capacidade intelectual
e decidir quanto a seu uso” (p.37)
Capítulo II – A lição do ignorante
• Comparação do método Velho com o Universal.
-
Velho – seleção, progressão,
incompletude. Escada de aprendizado, como se escondesse algo, idéia de avançar
sempre e seguir etapas. “Foi-lhe ensinado algo, logo, ele aprendeu, logo, ele
pode esquecer” – passou de nível, o outro é inferior, existe a necessidade de
uma desigualdade (consciência de superior e inferior).
o “Essa ignorância, a partir daí, é a dos outros. O que ele esqueceu, ele
ultrapassou” (p.42)
o Desigualdade perpetuada na
sociedade – “Eis a virtude dos
explicadores: o ser que inferiorizaram, eles o amarram pelo mais sólido dos
laços ao país do embrutecimento: a consciência de sua superioridade.”
(p.42)
- • Universal – você já tem o que é
preciso, basta atenção e foco.
o Atenção – o que faz agir a
inteligência sob a coerção absoluta de uma vontade.
o Noção de que se pode tudo o
que pode um homem – não há divisão de potência (uma que registra, uma que
compreende etc.)
o A potência da inteligência
está em toda manifestação humana. É certo que há desigualdade nas
manifestações, segundo a variação de energia que a vontade comunica à
inteligência para descobrir e combinar novas relações.
• Não há hierarquia das
inteligências ou capacidades intelectuais, a rapidez não é senão efeito da
potência adquirida.
- • Atos
fundamentais do mestre: interrogar, provocar a manifestação de uma inteligência
que ignorava a si própria.
o Ensinar o que se ignora é
questionar sobre tudo o que se ignora. Não verifica o que o aluno descobriu,
mas se ele estava atento em sua busca/estudo. “O Homem é um animal que distingue perfeitamente bem quando aquele que
fala não sabe o que diz... ” (p.55 + p.88).
- • Questão
da natureza que ao passo que faz o conhecimento acessível a todos quer a ordem
social desigual e conformada.
o Solução: balança ordenada da
instrução e da educação – separação da função do mestre-escola e do
pai-educador (p.59). Emancipação: exigência incondicionada da vontade – trazer
a consciência de si como ser pensante, superando a crença da inferioridade de
uma inteligência.
- • Sociedade
– vige a crença na desigualdade – encontrar sempre alguém melhor que o rebaixe
e alguém pior para desprezar (p.66) – embrutecimento do povo “O que embrutece o povo não é a falta de
instrução, mas a crença na inferioridade de sua inteligência” (p.65).
Capítulo III – A razão dos iguais
- •
“Nós orientamos as crianças a partir da
opinião da igualdade das inteligências” (p.71)
o Opinião: sentimento que
formamos sobre os fatos superficialmente observados X Ciência: conhece as
verdadeiras razões dos fenômenos.
o O único erro seria tomar a
opinião como verdade.
- • Não
há como provar que duas inteligências sejam iguais, é uma opinião, mas basta
que exista essa possibilidade, que não haja uma verdade contrária.
- • Todas
as inteligências são diferentes em suas manifestações – individualidade – mas
sua natureza é a mesma, o que muda é o exercício, a atenção. A função do mestre
é estimular a inteligência.
- • O
povo desenvolve a inteligência que suas necessidades e circunstâncias exigem. “O homem é uma vontade servida por uma inteligência”
(p.79 + p.84)
o “A Inteligência é atenção e busca, antes de ser combinação de idéias. A
vontade é a potencia de se mover, de agir segundo movimento próprio, antes de
ser instância de escolha.” (p.83)
• Vontade é um poder racional,
sua falta faz a inteligência errar – agir sem vontade ou sem reflexão não
produz um ato intelectual. O primeiro vício é a preguiça.
- • Exploração
dos poderes de cada homem quando ele segue o princípio da igualdade e se vê
igual aos demais. Vontade: compreensão sobre si como ser racional que conhece
sua potencia como tal (eu posso o que pode um homem).
- • Questão
da verdade – dizer depende do homem, a verdade não. “Cada um de nós descreve,
em torno da verdade, sua parábola”.
o Perigos do método socrático –
tomar por verdade o que diz o explicador, sentindo que sem ele nunca teria se
seguido o raciocínio que levou à conclusão. Isso seria um embrutecimento
profundo, chegar a um fim jamais envisionado.
- • Pensamento
anterior à linguagem – a inteligência humana emprega toda a sua arte em se
fazer entender e em entender o que a inteligência vizinha lhe significar.
o Vontade de comunicar – de
adivinhar a vontade alheia de comunicar – traduzir – a vontade adivinha a
vontade (p.93).
o Desejo humano de compreender e
de se fazer compreender (potência de tradução) – toda palavra é uma tradução
(da vontade/do pensamento) que só ganha sentindo com uma contra-tradução
(compreensão). (p.95)
- • Improvisar
– exercício da virtude primeira da inteligência – virtude poética. Incapacidade
do homem de dizer a verdade mesmo quando a sente.
- •
Poeta
é um ser que crê que seu pensamento é comunicável, sua emoção, partilhável - todo
saber fazer é um querer dizer que se dirige a todo ser razoável, desde que o
situe nas circunstâncias que permitam que ele se relacione e assemelhe.
- •
“É bem verdade que o homem razoável tudo pode
fazer. Mas ele deve aprender a língua própria a cada uma das coisas que ele
quer fazer” (p.100).
- • Fazer
de todo o trabalho um meio de expressão – necessidade de
tradução/contra-tradução. Artista. Necessidade de igualdade, assim como o
explicador tem de desigualdade.
- • Questão
da razão – “o homem que obedece à razão
não tem necessidade de leis” (p.106) – acaba a razão quando começa o
discurso do ter razão – a razão
pressupõe a igualdade em ato.
- • Relação
da inteligência com a igualdade – necessidade – somente um igual compreende
outro. “A igualdade das inteligências é o
laço comum do gênero humano, a condição necessária e suficiente para que uma
sociedade de homens exista”. (p.107)
Capítulo IV – A sociedade do desprezo
- • Não
há sociedade possível, só a que existe. Para essa sociedade existente o Método
Universal é um corruptor da juventude e da ordem.
- • Inteligência
está nos indivíduos e não na sua reunião (sociedade – que está submetida às
leis da matéria). O conjunto social só pode ser arbitrário, reina a convenção,
presumem-se desiguais as inteligências.
- • “É precisamente porque cada homem é livre que
uma reunião de homens não o é” (p.114) – cada instante há razão e desrazão,
cada homem age dentro de sua razão, ou não, seguindo paixões e afins. As partes
do todo nunca estão em perfeita sintonia.
- • Espírito
– aliança da vontade e da inteligência. A distração é a recusa de atenção, uma
escolha, a escolha pela preguiça – é o espírito subestimando sua potência
(princípio do desprezo).
o “O desprezo por si é sempre,
também, desprezo pelos outros” – o ‘eu não posso’ – não quer se submeter ao
julgamento dos seus pares ‘isso não é o senso comum, pois eu não compreendo’.
- • Falsa
modéstia – reconhece-se a superioridade de outrem, em um Gênero, para melhor
fazer reconhecer sua própria, em outro gênero.
- • Paixão
da matéria pela desigualdade – princípio do desprezo (causa distração). A
necessidade de ser diferente/especial. Preguiça – igualdade requer muito
esforço, é mais fácil comparar, trocar glórias e desprezos.
- • O
pensar coletivo como fato natural ao invés de indivíduos vem da desrazão.
o Essa desrazão da desigualdade
faz o indivíduo renunciar a si próprio, e tomar a ficção coletiva como fato.
o Somente os indivíduos são
reais, pois só eles têm inteligência e vontade. O mundo social é resultado de
uma atividade da vontade pervertida, possuída pela paixão da desigualdade.
- • A
guerra é a lei da ordem social – é o fim da arte da comunicação razoável, é o
não querer compreender e ser compreendido, é o querer silenciar. Uma
inteligência querendo anular outra.
- • A
retórica é a arte de raciocinar se esforçando para anular a razão – poder de
falsificação, imitando o poder da verdade. Linguagem figurada que disfarça o
interesse não razoável – usada por parlamentares.
o Não há linguagem da razão, há
somente um controle da razão sobre a intenção de falar. Cada pessoa é poeta de
si próprio e das coisas, cada um tem sua versão da verdade. A retórica quer se
impor como verdade e forçar uma ação.
- • “O homem pode ser dotado de razão, o cidadão
não pode sê-lo. Não há retórica razoável, não há discurso político razoável”
(p.122) – porque a retórica é a imposição de uma verdade, aniquila a
vontade adversa (princípio da guerra).
- •
Questão
do orador – da escolha de frases e palavras, a pessoa que pressente melhor
quando a balança irá pesar.
- • A
desrazão social mostra-se no paradoxo dos inferiores superiores – cada um
submete àquele que considera como seu inferior, estando submetido à lei da
massa pela própria pretensão de se distinguir.
- • A
desigualdade se ergue sobre a igualdade das inteligências – porque as pessoas
são iguais elas têm a necessidade de se sentirem diferentes, por isso a
desigualdade social pressupõe a igualdade de inteligências. Porque os
superiores não o são assim naturalmente, eles se submetem às leis dos
inferiores – às convenções.
- • As
circunstâncias e as convenções são as únicas que podem fazer a hierarquização
do homem.
- • A
ordem social não tem razão, ela tem convenções e circunstâncias, a sociedade
impõe suas leis, suas superioridades e suas corporações explicadoras (suas convenções).
- • O
povo tem o poder real de fazer chefes – o superior submete-se ao inferior- ao
mesmo tempo em que o povo se submete ao chefe. – Alienação original da razão em
relação à paixão da desigualdade.
o “Não há senão povos de cidadãos, de homens que alienaram sua razão à
ficção desigualitária” (p.129).
- • Existe
um seio de desrazão na razão: O homem razoável não pretende entender a ordem
social, ela é um mistério além da razão. Ele aceita a desrazão política no
sentido em que reconduz a ação de sua razão nos limites do convencional –
sacrifício próprio (virtude).
• • A
guerra e os tribunais são a expressão da desrazão social.
o Guerra: serve para a) defender
a pátria; b) pátria conquistadora. Razão suspensa ou instinto de preservação da
vida. Há um sacrifício e há uma autoridade estabelecida.
•A) razão do homem coincide com
a razão do cidadão – conservar a qualidade de ser vivo.
•B) sacrifício de sua razão ao
mistério da desrazão – precisa de mais virtude para guardar sua “fortaleza
interior” de razão – obediência cidadã.
o Tribunais/Assembléias: a razão
inclina-se, existe o mistério da desrazão e paixões contraditórias. A
autoridade ainda está se estabelecendo, exige-se o raciocínio, a participação.
Presença da oratória/retórica para distrair os espíritos, não convencê-los.
- • Desrazão
razoável – aquele que conhece a razão se afasta dela o quanto for necessário,
quando o for. Aquele que permanecer fiel a si em meio à desrazão, exercerá
sobre as paizões do outro o mesmo domínio que exerce sobre as suas.
- • Velho: pressupõe que só o filósofo
conhece a mentira, então só ele pode praticar a boa mentira.
- •
Universal: todos conhecem a
mentira, o homem razoável pode praticar a boa mentira desde que use vontade
com atenção.
- • Não
pode haver um partido dos emancipados ou uma sociedade emancipada. Mas todo
homem pode emancipar-se e emancipar outros, aumentando o número de homens que
se reconhecem como iguais.
o O Estado/povo será sempre
desrazoável, mas pode-se aumentar o número de homens razoáveis em seu interior,
possibilitando a arte de desrazoar razoavelmente.
Capítulo V – O emancipador e suas
imitações
- •
O
dever dos discípulos de Jacotot é anunciar que pode-se ensinar o que se ignora,
o princípio da igualdade, para emancipar. Mas só um homem pode emancipar outro
homem, não há como a Instituição fazer isso.
- • O
Método Universal não vingaria na sociedade pois o gênero humano pertence ao velho método.
- •
A
sociedade é uma instituição, uma ordem social busca explicar que é a melhor
organização possível, e por isso nega outras explicações. Com isso precisa do
ensino e não pode aceitar que toda explicação seja inútil. O Ensino Universal
não teria como vingar assim, somente no âmbito de indivíduos.
- •
O
Método Universal também nunca morreria, pois é parte do instinto humano. Não
se pode instituir o Ensino Universal, mas pode-se usá-lo e servir de exemplo
(especialmente figuras de destaque, como governantes).
- •
“Nada, respondeu o Fundador, o governo não
deve instrução ao povo, pela simples razão de que não se deve às pessoas aquilo
que elas podem conquistar por si próprias” (p.148).
- • “Somente um emancipado pode escutar com
tranqüilidade que a ordem social é inteiramente convencional e, assim mesmo,
obedecer escrupulosamente a seus superiores – que ele sabe seus iguais. Ele
sabe o que pode esperar da ordem social e não causará ai muita confusão. Os
embrutecidos nada têm a temer, mas eles jamais o saberão.” (p.151)
- • Homens
de progresso: vão conferir por si próprios se a coisa é verdadeira e digna de
ser imitada. Saber não é nada em si, fazer é tudo.
o Problema: erigir a opinião do
progresso à condição de explicação dominante da ordem social.
o A explicação é obra da
preguiça – basta introduzir a desigualdade. Começa bem-mal, antes-depois. Surge
então a noção de progresso pior-melhor e a idéia de caminhar em direção ao
melhor. Idéia de aperfeiçoamento da sociedade.
o O progresso é a nova maneira
de dizer a desigualdade – ficção pedagógica, o mal redutível em progressão
infinita em direção ao bem.
o Método – avanço racional e
progressivo. O aluno nunca alcançará o mestre, nem o povo a elite esclarecida.
- • O
Iluminismo retoma a desigualdade das inteligências, pois os progressistas
também se baseiam na opinião da desigualdade – a noção de progresso racionaliza
a desigualdade.
- • Dilema
republicano: povo soberano X multidão ignorante.
- • República
como igualdade de direitos e deveres, mas que não pode decretar a igualdade das
inteligências.
- • Instrução
pública como braço secular do progresso – “O
meio para equalizar progressivamente a desigualdade, ... , de desequalizar
indefinidamente a igualdade”. – lógica intitulada de redução da
desigualdade por meio da instrução do povo.
- • Jacotot
diz que o meio do povo se elevar na ordem intelectual não é a instrução, não é
aprender com sábios o que ignoravam, mas ensinar a outros ignorantes –
emancipação.
- • Problema
dos republicanos: querer sociedade igual e não homens iguais. “É preciso escolher entre fazer uma sociedade
desigual com homens iguais, ou uma sociedade igual com homens desiguais”
- • “A igualdade não se concede, nem se
reivindica, ela se pratica, ela se verifica” – só é possível verificá-la
reconhecendo a igualdade de inteligências, se vendo como ser inteligente e
igual.
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