segunda-feira, 7 de maio de 2012

Roteiro - O Mestre Ignorante

Roteiro - O Mestre Ignorante
de Jacques Rancière
por Luciana Vasconcellos


Capítulo I – Uma aventura intelectual 
• Experimento de Jacotot – experimento autodidata – questionamento da necessidade das explicações do mestre.
-       Necessidade de estabelecer um laço mínimo entre professor e aluno.
-       Basta querer para poder – o homem quer compreender e ser compreendido.
• Desenvolvimento de um novo método baseado na emancipação.
• Método tradicional de ensino – Velho
-       Transmitir seu conhecimento ao aluno para elevá-lo a sua própria ciência.
-       O ato essencial do mestre é explicar – transmitir conhecimento e formar espírito.
-       A criança pode aprender sozinha, mas não compreender.
• A explicação como mito da pedagogia – distinção entre aprender compreender – questão do poder da palavra e do mestre.
-       O explicador constitui o incapaz como tal.
-       A explicação (mito da pedagogia) divide o mundo em duas inteligências – inferior e superior.
-       Princípio da explicação –  regressão ao infinito, reduplicação das razões.
-       Princípio do embrutecimento – o compreender interrompe o fluxo natural da razão, pois “divide” a inteligência em duas. “Compreende que nada compreenderá, ao menos que lhe expliquem.” (p.25)

•Acaso e necessidade – Jacotot percebeu que todas as inteligências tem a mesma natureza, que compreender é traduzir, fornecer o equivalente de um texto, mas não sua razão – não há necessidade de uma outra inteligência, não existe alguém com o poder de dizer a razão de um texto.
-       Associar ao conhecido - “adivinhar” – método natural.
-       Vontade de reconhecer o que lhes é dito e poder se comunicar – esforço em direção à resposta.
-       Intrínseco a condição humana – querer a igualdade com aquele que lhe dirigiu a palavra.
-       Método da igualdade de inteligências – método da vontade. Pode-se aprender sozinho por vontade ou por necessidade.
• Aprender sem mestre explicador não significa aprender sem mestre – há geração de conhecimento e estímulo do mestre.
-       Dissociação as funções de sábio e de mestre, bem como a inteligência e a vontade. No ato de ensinar há duas inteligências e duas vontades.
-       Existe o embrutecimento quando uma inteligência se subordina a outra.
-       Emancipação - uma inteligência não obedece senão a ela mesma, ainda que a vontade obedeça a outra vontade.
• O mestre pode ser emancipador ou embrutecedor, ao mesmo tempo, pode ser sábio ou ignorante.
-       Como não é o saber do mestre que ensina o aluno, pode se ensinar aquilo que se ignora.
-       Forçar o aluno a usar a própria inteligência – o mestre acredita que ele pode aprender e o obriga a atualizar sua capacidade. Necessidade do mestre dar início ao ciclo da emancipação.
• Questão do Ensino Mútuo – visto como solução para a instrução do povo que tinha pouco tempo disponível.
-       Ensino mútuo dos progressistas X ensino mútuo de Jacotot.
-       Para Jacotot, o ensino mútuo envolveria a emancipação de um ignorante por outro, para “que todo homem do povo pudesse conceber sua dignidade de homem, medir a dimensão de sua capacidade intelectual e decidir quanto a seu uso” (p.37)

Capítulo II – A lição do ignorante 
• Comparação do método Velho com o Universal.
-       Velho – seleção, progressão, incompletude. Escada de aprendizado, como se escondesse algo, idéia de avançar sempre e seguir etapas. “Foi-lhe ensinado algo, logo, ele aprendeu, logo, ele pode esquecer” – passou de nível, o outro é inferior, existe a necessidade de uma desigualdade (consciência de superior e inferior).
o   Essa ignorância, a partir daí, é a dos outros. O que ele esqueceu, ele ultrapassou” (p.42)
o   Desigualdade perpetuada na sociedade – “Eis a virtude dos explicadores: o ser que inferiorizaram, eles o amarram pelo mais sólido dos laços ao país do embrutecimento: a consciência de sua superioridade.” (p.42)

-    • Universal – você já tem o que é preciso, basta atenção e foco.
o   Atenção – o que faz agir a inteligência sob a coerção absoluta de uma vontade.
o   Noção de que se pode tudo o que pode um homem – não há divisão de potência (uma que registra, uma que compreende etc.)
o   A potência da inteligência está em toda manifestação humana. É certo que há desigualdade nas manifestações, segundo a variação de energia que a vontade comunica à inteligência para descobrir e combinar novas relações.
  Não há hierarquia das inteligências ou capacidades intelectuais, a rapidez não é senão efeito da potência adquirida.
-     • Atos fundamentais do mestre: interrogar, provocar a manifestação de uma inteligência que ignorava a si própria.
o   Ensinar o que se ignora é questionar sobre tudo o que se ignora. Não verifica o que o aluno descobriu, mas se ele estava atento em sua busca/estudo. “O Homem é um animal que distingue perfeitamente bem quando aquele que fala não sabe o que diz... ” (p.55 + p.88).
-  • Questão da natureza que ao passo que faz o conhecimento acessível a todos quer a ordem social desigual e conformada.
o   Solução: balança ordenada da instrução e da educação – separação da função do mestre-escola e do pai-educador (p.59). Emancipação: exigência incondicionada da vontade – trazer a consciência de si como ser pensante, superando a crença da inferioridade de uma inteligência.
-     • Sociedade – vige a crença na desigualdade – encontrar sempre alguém melhor que o rebaixe e alguém pior para desprezar (p.66) – embrutecimento do povo “O que embrutece o povo não é a falta de instrução, mas a crença na inferioridade de sua inteligência” (p.65).

Capítulo III – A razão dos iguais 
-     •   Nós orientamos as crianças a partir da opinião da igualdade das inteligências” (p.71)
o   Opinião: sentimento que formamos sobre os fatos superficialmente observados X Ciência: conhece as verdadeiras razões dos fenômenos.
o   O único erro seria tomar a opinião como verdade.
-   • Não há como provar que duas inteligências sejam iguais, é uma opinião, mas basta que exista essa possibilidade, que não haja uma verdade contrária.
-    •  Todas as inteligências são diferentes em suas manifestações – individualidade – mas sua natureza é a mesma, o que muda é o exercício, a atenção. A função do mestre é estimular a inteligência.
-    O povo desenvolve a inteligência que suas necessidades e circunstâncias exigem. “O homem é uma vontade servida por uma inteligência” (p.79 + p.84)
o   A Inteligência é atenção e busca, antes de ser combinação de idéias. A vontade é a potencia de se mover, de agir segundo movimento próprio, antes de ser instância de escolha.” (p.83)
 Vontade é um poder racional, sua falta faz a inteligência errar – agir sem vontade ou sem reflexão não produz um ato intelectual. O primeiro vício é a preguiça.
-    • Exploração dos poderes de cada homem quando ele segue o princípio da igualdade e se vê igual aos demais. Vontade: compreensão sobre si como ser racional que conhece sua potencia como tal (eu posso o que pode um homem).

-      • Questão da verdade – dizer depende do homem, a verdade não. “Cada um de nós descreve, em torno da verdade, sua parábola”.
o   Perigos do método socrático – tomar por verdade o que diz o explicador, sentindo que sem ele nunca teria se seguido o raciocínio que levou à conclusão. Isso seria um embrutecimento profundo, chegar a um fim jamais envisionado.
-      • Pensamento anterior à linguagem – a inteligência humana emprega toda a sua arte em se fazer entender e em entender o que a inteligência vizinha lhe significar.
o   Vontade de comunicar – de adivinhar a vontade alheia de comunicar – traduzir – a vontade adivinha a vontade (p.93).
o   Desejo humano de compreender e de se fazer compreender (potência de tradução) – toda palavra é uma tradução (da vontade/do pensamento) que só ganha sentindo com uma contra-tradução (compreensão). (p.95)
-     •  Improvisar – exercício da virtude primeira da inteligência – virtude poética. Incapacidade do homem de dizer a verdade mesmo quando a sente.
-     •   Poeta é um ser que crê que seu pensamento é comunicável, sua emoção, partilhável - todo saber fazer é um querer dizer que se dirige a todo ser razoável, desde que o situe nas circunstâncias que permitam que ele se relacione e assemelhe.
-    •    É bem verdade que o homem razoável tudo pode fazer. Mas ele deve aprender a língua própria a cada uma das coisas que ele quer fazer” (p.100).
-  • Fazer de todo o trabalho um meio de expressão – necessidade de tradução/contra-tradução. Artista. Necessidade de igualdade, assim como o explicador tem de desigualdade.
-     Questão da razão – “o homem que obedece à razão não tem necessidade de leis” (p.106) – acaba a razão quando começa o discurso do ter razão – a razão pressupõe a igualdade em ato.
-  • Relação da inteligência com a igualdade – necessidade – somente um igual compreende outro. “A igualdade das inteligências é o laço comum do gênero humano, a condição necessária e suficiente para que uma sociedade de homens exista”. (p.107)

Capítulo IV – A sociedade do desprezo 
-   •  Não há sociedade possível, só a que existe. Para essa sociedade existente o Método Universal é um corruptor da juventude e da ordem.
-   Inteligência está nos indivíduos e não na sua reunião (sociedade – que está submetida às leis da matéria). O conjunto social só pode ser arbitrário, reina a convenção, presumem-se desiguais as inteligências.
-     É precisamente porque cada homem é livre que uma reunião de homens não o é” (p.114) – cada instante há razão e desrazão, cada homem age dentro de sua razão, ou não, seguindo paixões e afins. As partes do todo nunca estão em perfeita sintonia.
-   • Espírito – aliança da vontade e da inteligência. A distração é a recusa de atenção, uma escolha, a escolha pela preguiça – é o espírito subestimando sua potência (princípio do desprezo).
o   “O desprezo por si é sempre, também, desprezo pelos outros” – o ‘eu não posso’ – não quer se submeter ao julgamento dos seus pares ‘isso não é o senso comum, pois eu não compreendo’.
-     • Falsa modéstia – reconhece-se a superioridade de outrem, em um Gênero, para melhor fazer reconhecer sua própria, em outro gênero.
-   •  Paixão da matéria pela desigualdade – princípio do desprezo (causa distração). A necessidade de ser diferente/especial. Preguiça – igualdade requer muito esforço, é mais fácil comparar, trocar glórias e desprezos.
-     • O pensar coletivo como fato natural ao invés de indivíduos vem da desrazão.
o   Essa desrazão da desigualdade faz o indivíduo renunciar a si próprio, e tomar a ficção coletiva como fato.
o   Somente os indivíduos são reais, pois só eles têm inteligência e vontade. O mundo social é resultado de uma atividade da vontade pervertida, possuída pela paixão da desigualdade.
-    • A guerra é a lei da ordem social – é o fim da arte da comunicação razoável, é o não querer compreender e ser compreendido, é o querer silenciar. Uma inteligência querendo anular outra.
-   • A retórica é a arte de raciocinar se esforçando para anular a razão – poder de falsificação, imitando o poder da verdade. Linguagem figurada que disfarça o interesse não razoável – usada por parlamentares.
o   Não há linguagem da razão, há somente um controle da razão sobre a intenção de falar. Cada pessoa é poeta de si próprio e das coisas, cada um tem sua versão da verdade. A retórica quer se impor como verdade e forçar uma ação.
-   • O homem pode ser dotado de razão, o cidadão não pode sê-lo. Não há retórica razoável, não há discurso político razoável” (p.122) – porque a retórica é a imposição de uma verdade, aniquila a vontade adversa (princípio da guerra).
-     •   Questão do orador – da escolha de frases e palavras, a pessoa que pressente melhor quando a balança irá pesar.
-   •  A desrazão social mostra-se no paradoxo dos inferiores superiores – cada um submete àquele que considera como seu inferior, estando submetido à lei da massa pela própria pretensão de se distinguir.
-    •  A desigualdade se ergue sobre a igualdade das inteligências – porque as pessoas são iguais elas têm a necessidade de se sentirem diferentes, por isso a desigualdade social pressupõe a igualdade de inteligências. Porque os superiores não o são assim naturalmente, eles se submetem às leis dos inferiores – às convenções.
-       • As circunstâncias e as convenções são as únicas que podem fazer a hierarquização do homem.
-     • A ordem social não tem razão, ela tem convenções e circunstâncias, a sociedade impõe suas leis, suas superioridades e suas corporações explicadoras (suas convenções).
-      • O povo tem o poder real de fazer chefes – o superior submete-se ao inferior- ao mesmo tempo em que o povo se submete ao chefe. – Alienação original da razão em relação à paixão da desigualdade.
o   Não há senão povos de cidadãos, de homens que alienaram sua razão à ficção desigualitária” (p.129).
-      • Existe um seio de desrazão na razão: O homem razoável não pretende entender a ordem social, ela é um mistério além da razão. Ele aceita a desrazão política no sentido em que reconduz a ação de sua razão nos limites do convencional – sacrifício próprio (virtude).
•       A guerra e os tribunais são a expressão da desrazão social.
o   Guerra: serve para a) defender a pátria; b) pátria conquistadora. Razão suspensa ou instinto de preservação da vida. Há um sacrifício e há uma autoridade estabelecida.
A) razão do homem coincide com a razão do cidadão – conservar a qualidade de ser vivo.
B) sacrifício de sua razão ao mistério da desrazão – precisa de mais virtude para guardar sua “fortaleza interior” de razão – obediência cidadã.
o   Tribunais/Assembléias: a razão inclina-se, existe o mistério da desrazão e paixões contraditórias. A autoridade ainda está se estabelecendo, exige-se o raciocínio, a participação. Presença da oratória/retórica para distrair os espíritos, não convencê-los.
-       • Desrazão razoável – aquele que conhece a razão se afasta dela o quanto for necessário, quando o for. Aquele que permanecer fiel a si em meio à desrazão, exercerá sobre as paizões do outro o mesmo domínio que exerce sobre as suas.
-       • Velho: pressupõe que só o filósofo conhece a mentira, então só ele pode praticar a boa mentira.
-     •   Universal: todos conhecem a mentira, o homem razoável pode praticar a boa mentira desde que use vontade com atenção.
-      • Não pode haver um partido dos emancipados ou uma sociedade emancipada. Mas todo homem pode emancipar-se e emancipar outros, aumentando o número de homens que se reconhecem como iguais.
o   O Estado/povo será sempre desrazoável, mas pode-se aumentar o número de homens razoáveis em seu interior, possibilitando a arte de desrazoar razoavelmente.

Capítulo V – O emancipador e suas imitações
-     •   O dever dos discípulos de Jacotot é anunciar que pode-se ensinar o que se ignora, o princípio da igualdade, para emancipar. Mas só um homem pode emancipar outro homem, não há como a Instituição fazer isso.
-      • O Método Universal não vingaria na sociedade pois o gênero humano pertence ao velho método.
-     •   A sociedade é uma instituição, uma ordem social busca explicar que é a melhor organização possível, e por isso nega outras explicações. Com isso precisa do ensino e não pode aceitar que toda explicação seja inútil. O Ensino Universal não teria como vingar assim, somente no âmbito de indivíduos.
-     •   O Método Universal também nunca morreria, pois é parte do instinto humano. Não se pode instituir o Ensino Universal, mas pode-se usá-lo e servir de exemplo (especialmente figuras de destaque, como governantes).
-     •   Nada, respondeu o Fundador, o governo não deve instrução ao povo, pela simples razão de que não se deve às pessoas aquilo que elas podem conquistar por si próprias” (p.148).
-  • Somente um emancipado pode escutar com tranqüilidade que a ordem social é inteiramente convencional e, assim mesmo, obedecer escrupulosamente a seus superiores – que ele sabe seus iguais. Ele sabe o que pode esperar da ordem social e não causará ai muita confusão. Os embrutecidos nada têm a temer, mas eles jamais o saberão.” (p.151)
-     •    Homens de progresso: vão conferir por si próprios se a coisa é verdadeira e digna de ser imitada. Saber não é nada em si, fazer é tudo.
o   Problema: erigir a opinião do progresso à condição de explicação dominante da ordem social.
o   A explicação é obra da preguiça – basta introduzir a desigualdade. Começa bem-mal, antes-depois. Surge então a noção de progresso pior-melhor e a idéia de caminhar em direção ao melhor. Idéia de aperfeiçoamento da sociedade.
o   O progresso é a nova maneira de dizer a desigualdade – ficção pedagógica, o mal redutível em progressão infinita em direção ao bem.
o   Método – avanço racional e progressivo. O aluno nunca alcançará o mestre, nem o povo a elite esclarecida.
-   • O Iluminismo retoma a desigualdade das inteligências, pois os progressistas também se baseiam na opinião da desigualdade – a noção de progresso racionaliza a desigualdade.
-        Dilema republicano: povo soberano X multidão ignorante.
-  • República como igualdade de direitos e deveres, mas que não pode decretar a igualdade das inteligências.
-   • Instrução pública como braço secular do progresso – “O meio para equalizar progressivamente a desigualdade, ... , de desequalizar indefinidamente a igualdade”. – lógica intitulada de redução da desigualdade por meio da instrução do povo.
-      • Jacotot diz que o meio do povo se elevar na ordem intelectual não é a instrução, não é aprender com sábios o que ignoravam, mas ensinar a outros ignorantes – emancipação.
-     • Problema dos republicanos: querer sociedade igual e não homens iguais. “É preciso escolher entre fazer uma sociedade desigual com homens iguais, ou uma sociedade igual com homens desiguais
-      • A igualdade não se concede, nem se reivindica, ela se pratica, ela se verifica” – só é possível verificá-la reconhecendo a igualdade de inteligências, se vendo como ser inteligente e igual.

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