quinta-feira, 17 de maio de 2012

Resenha - O Mestre Ignorante

por Álvaro Costa

“O aluno deve ver tudo por ele mesmo, comparar incessantemente e sempre responder a tríplice questão: o que vês? O que pensas disso? O que fazes com isso? E, assim, até o infinito.” É dessa maneira que Jacques Ranciere, em sua obra, O Mestre Ignorante, propõe que os indivíduos se comportem. Se a princípio a leitura pode parecer um guia de autoajuda, é no transcorrer do livro que se apresenta uma bela possibilidade de reflexão pedagógica, filosófica e política.
O autor inicia seu texto criticando o atual método de ensino, o qual denomina de Velho; comparando-o com o método Universal pensado pelo professor Joseph Jacotot enquanto este lecionava na Universidade de Louvain, nos países baixos. Ao primeiro o autor ataca, afirmando que tal método é na verdade, um instrumento legitimador da forma explicadora de se ensinar algo a alguém; e que por tal forma se entenda, a maneira de ensino que busca subordinar o entendimento do aluno, o qual é tratado e que passa a ver a si mesmo como inferior a mente superior e mais inteligente de seu mestre. Ao segundo, o autor exalta e defende: “ as palavras que a criança aprende melhor, aquelas em cujo sentido ela penetra mais facilmente, de que se apropria melhor para seu próprio uso, são as que aprende sem mestre explicador.”
Segundo o autor, o primeiro método citado leva aquilo que ele chamou de embrutecimento dos homens. E explica que tal fenômeno decorre justamente da hierarquização das inteligências dos seres humanos. De modo que através da explicação do mestre, o aluno possa progressivamente “compreender que nada compreenderá, a menos que lhe expliquem”. De um lado o mestre sábio, com inteligência superior; do outro, o aluno incapaz da inteligência de seu explicador.
Ranciere condena tal hierarquia de inteligências e sua consequência imediata, qual seja, o discurso do progresso. Aquela ideia pedagógica tradicional que afirma não haver outro caminho para o homem na formação do seu conhecimento a não ser o “partir” do mais simples ao mais complexo, progressivamente. E sempre, é claro, apoiado pelo apoio indispensável de um mestre explicador. O autor refuta: “A explicação não é necessária para socorrer uma incapacidade de compreender. É ao contrário, essa incapacidade, a ficção estruturante da concepção explicadora de mundo”.
Continuando sua obra o autor discorre sobre elementos também muito interessantes de sua tese. Ainda com relação a necessidade de romper com a ideia tradicional da existência de uma hierarquia de inteligências, J. Ranciere afirma que existem diferentes manifestações da inteligência humana. E não, (para reforçar) inteligências inferiores e superiores. Ainda sobre a inteligência ele continua, “A inteligência é atenção e busca antes de ser combinação de ideias. A vontade é a potencia de se mover, de agir segundo movimento próprio, antes de ser instancia de escolha”.
“O homem é uma vontade servida por uma inteligência”. Em verdade, o homem emancipado, razoável, tudo pode. Mas para que de fato, ele tudo possa, deve aprender a linguagem própria da manifestação da inteligência em questão. Vejamos: como pode um cidadão compor uma bela música sem saber as propriedades dos acordes, sem conhecer enfim a teoria musical? Como pode um poeta brasileiro compor um belo poema em outra língua sem ao menos conhecê-la?
Expostos este elementos, a obra toma caráter mais político e quem sabe também mais verossímil. Afinal como conceber qualquer sociedade composta apenas por cidadãos emancipados? O autor esclarece: a convenção que possibilita uma sociedade é por natureza não razoável, arbitrária. Os homens ainda que emancipados, não são a todo o momento razoáveis. Se assim fosse não haveria nem mesmo necessidade de leis. Dessa maneira, é justamente porque não são a o todo momento razoáveis, que os homens precisam de leis. Leis que irão refrear não só sua irracionalidade, mas é claro e principalmente, sua vontade libertadora de emancipação.
A sociedade por sua vez se sustenta nesta convenção, na hierarquização de inteligências e como consequência, na paixão pela desigualdade em todos os sentidos. Não é que não existam homens razoáveis na sociedade, mas sim que mesmo estes, são também “não razoáveis” de acordo com o contexto. Predomina a posição daquele político, daquele cidadão que sabe alterar a “disposição dos espíritos” das pessoas. Prevalece a “inteligência” daquele que tem ciência da falta de razoabilidade do homem social. Pouco importa o saber técnico. Lidar com homens é lidar com afetos, paixões e irracionalidade a todo o momento. Prevalece a posição daquele que aparenta ser superior aos olhos dos outros. “O que melhor submete os outros é aquele que se submete a si próprio”. Esta é a verdadeira dinâmica social.

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