PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais (CCS) - Departamento de Direito
PETJUR – Programa de Educação Tutorial 20.03.2013
Maria Eduarda Vianna 1011467 Francisco Guimaraens
Macunaíma
Vamos à estória:
Noutro dia estava Mário de Andrade a debandar pelo Brasil de norte a sul, de leste a oeste, tomando notas sobre o costume de cada região. Noutro dia, matutava um tal de Antropofagismo, coisa muito estranha, que se ouvia lá pelas bandas do Tietê e que fazia muita gente perder o juízo – ou melhor, achá-lo. Troço esquisito essa moda de "deglutição cultural"... De início, o povo teve medo. Mas quando viu que esse negócio era uma poderosa arma pra vencer o gigante Piaimã, fez festa. Pois bem. O gigante Piaimã era monstro terrível, que ameaçava acabar com o povo tupiniquim se não fossem atendidos seus caprichos. Mas inda assim, o pai do herói não sucumbiu. Foi aí então que passadas algumas luas, matutou uma ideia pra lá de supimpa: pegou um pouco de tinta, a mais preta que existe, e fez nascer, no fundo do mato-virgem, Macunaíma, herói da nossa gente.
Macunaíma é uma obra desprenteciosamente rica. Sua grande virtude reside na multiplicidade de leituras que oferece ao receptor, de forma que cada pessoa, ao lê-la, vivencia uma experiência singular. Desse modo, são muitos os temas presentes no livro, implícita ou explicitamente trabalhados, a partir da subjetividade individual de cada leitor. Portanto, resenhá-lo implicaria, necessariamente em deixar de abarcar alguma questão, motivo pelo qual prefiro compartilhar minhas impressões pessoais.
Talvez, o ponto mais interessante seja a tentativa de explicar o Brasil a partir de uma história genuinamente brasileira, contada a partir da experiência de Mário Andrade em suas muitas viagens Brasil a dentro. A preocupação do autor em registrar costumes, explicar a origem de ditos populares e estereótipos, além de contar piadas, transcende uma análise minuciosa – é quase uma tara.
A escolha do protagonista é o símbolo máximo da consolidação do movimento denominado "Antropofagismo", engendrado no contexto da Semana de Arte Moderna, em 1922. Àquele tempo, as ideias, muito embora revolucionárias e vanguardistas, eram imaturas e prescindiam, por assim dizer, de calcificação. Macunaíma é a obra madura, síntese literária da pretensão de construir o Brasil a partir da própria história brasileira. Deglutição, portanto, não implica afastar elementos de estraneidade, mas, tal como o fenômeno fisiológico, alimentar-se de influências, digeri-las (o que significa dizer, filtrá-las) e produzir um novo produto, pintado de verde e amarelo.
Após décadas de exaltação do bom indígena, símbolo da pureza e da moralidade, O Modernismo propõe-se a romper brutalmente com o Romantismo, movimento ufanista do final do século XIX. Não mais faz sentido a reprodução do modelo europeu e a caracterização dos elementos nacionais a partir de uma perspectiva eurocêntrica. Sobre o tema, Eduardo Viveiros de Castro, ensina que a noção de "perspectiva", é, no fundo, não se colocar no lugar do outro a partir de si mesmo, mas a partir do outro; é uma experiência, inerentemente corporal.[1] Somente assim, enquanto outro corpo, daquele que se dedica a estudar, é que se pode conhecer. Em dizeres spinozanos, conhecer algo é conhecê-lo por sua essência, isto é, por sua causa próxima.[2] Por isso a personagem não tem culpa. Esse conceito não faz parte de sua experiência, muito menos de sua essência, o que justifica seu comportamento reprovado por grande parte dos leitores.
Dessa maneira, a máxima "o herói sem nenhum caráter" não implica, necessariamente, na dedução de um anti herói. Também o é. A expressão "sem nenhum caráter" deve ser lida, a contrário senso, de muitos caracteres, ou seja, em última análise, de várias facetas. Conjuga, em sua formação, uma multiplicidade de personalidades. Macunaíma é, em análise perfunctória, herói, bravo guerreiro, amante, príncipe lindo, preguiçoso, mentiroso, trapaceiro. É o brasileiro, aquele que não gosta de trabalhar (ainda que a afirmativa seja bastante polêmica...) e gosta de levantar vantagem. Macunaíma é Gita, de Raul Seixas: o tudo e o nada.[3]
Macunaíma é a mais clara antítese de um padrão comportamental europeu que se propaga. É a resistência tupiniquim, original; um grito de ruptura com os paradigmas importados. É, concomitantemente, a expressão e a expressividade da miscigenação brasileira.
Outro tema fundamental, sem o qual a obras jamais teria tamanha riqueza, é o folclore. Mario de Andrade se esforça em agregar, nem que seja em um suspiro, qualquer traço típico de alguma região brasileira. A história propõe-se a ser a antítese dos modelos de contos infantis adaptados por Walt Disney. Chega de príncipes, reinos encantados e fadas madrinhas. No lugar destes, entram os elementos naturais e os seres fantásticos que há muito são utilizados para explicar os fenômenos da natureza.
Chega de importar modelos pré fabricados e a partir deles promover, a todo custo, a catequese cega de brasileiros a descartar sua produção cultural. O Brasil é colorido e repleto de gostos, cheiros e sentidos. Por isso, o patente escopo é produzir um modelo de Brasil a partir do próprio país, sem a existência de modelo prévio. Esse é o ponto chave: o pioneirismo. Seja na cultura, seja na política, há que se romper com os paradigmas há muito superados. Engendra-se um novo Brasil, legitimamente brasileiro. Promove-se a reestruturação do sistema político-econômico-social, incentiva-se a cultura nacional.
Macunaíma é a expressão desse novo Brasil, cheio de potencialidades e perspectivas. Lê-lo significa desbravar a cultura brasileira e seus mitos populares, adentrar pelo mato fechado da floresta e, em mais duas palavras, parar nos pampas gaúchos. Isso mesmo. Esqueça as noções de tempo e espaço. Aqui, nada é impossível. Tem homens que são máquinas e máquinas que são homens, há cachoeiras que choram, gigantes comedores de gente. Aqui não tem certo ou errado, mas conveniente. Afinal, Herói? Ou anti herói?
[1] VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. Ed. COSACNAIFY.
[2] SPINOZA. Benedictus de. Ética.3ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
[3] SEIXAS. Raul. Gita.Disponível em http://letras.mus.br/raul-seixas/48312/ às 23:55h do dia 26.03.2013.