Macunaíma - O Herói Sem Nenhum Caráter

"Aliás, essa preguiça de Macunaíma é, acho eu, outro talento bem brasileiro. Preguiça como desgosto de fazer qualquer esforço que não dê gozo: e até mesmo os gozosos, por vezes." - Darcy Ribeiro

O Cálculo do Conflito: Estabilidade E Crise Na Política Brasileira

Uma interpretação da política brasileira. O foco empírico da investigação compreende um período turbulento da nossa história, cujo resultado foi o colapso das regras do jogo institucional democrático e o golpe militar de 1964.
Crédito da imagem: Marcelo Carnaval

O Governo João Goulart - As Lutas Sociais no Brasil 1961-1964

Balanço sócio político de um período de tensão. "mais do que detalhar fatos, livrando-os de deturpações, mostra-os em sua essência, interpreta-os em sua dinâmica econômica, social e política segundoo método dialético de análise".

1964 - A Conquista do Estado

Resultado de uma pesquisa realizada entre 1976 e 1980, sobre o período do Golpe de 64, o livro mostra o papel e a função das forças sociais, e de que formas concretas elas faziam prevalecer seus interesses sobre as demais. O autor documenta a relação entre atores e as forças sociais, em cenários públicos e privados, através da recomposição da história desta época. 1964 deve ser lido como a reconstituição de um passado que está presente na realidade atual, e determina, assim, os rumos de nosso futuro.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Resenha de Macunaima

PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais (CCS) - Departamento de Direito

PETJUR  – Programa de Educação Tutorial                                20.03.2013

Maria Eduarda Vianna 1011467                                      Francisco Guimaraens

Macunaíma

 

 

 

 

Vamos à estória:

 

Noutro dia estava Mário de Andrade a debandar pelo Brasil de norte a sul, de leste a oeste, tomando notas sobre o costume de cada região. Noutro dia, matutava um tal de Antropofagismo, coisa muito estranha, que se ouvia lá pelas bandas do Tietê e que fazia muita gente perder o juízo – ou melhor, achá-lo. Troço esquisito essa moda de "deglutição cultural"... De início, o povo teve medo. Mas quando viu que esse negócio era uma poderosa arma pra vencer o gigante Piaimã, fez festa. Pois bem. O gigante Piaimã era monstro terrível, que ameaçava acabar com o povo tupiniquim se não fossem atendidos seus caprichos. Mas inda assim, o pai do herói não sucumbiu. Foi aí então que passadas algumas luas, matutou uma ideia pra lá de supimpa: pegou um pouco de tinta, a mais preta que existe, e fez nascer, no fundo do mato-virgem, Macunaíma, herói da nossa gente.

 

Macunaíma é uma obra desprenteciosamente rica. Sua grande virtude reside na multiplicidade de leituras que oferece ao receptor, de forma que cada pessoa, ao lê-la, vivencia uma experiência singular. Desse modo, são muitos os temas presentes no livro, implícita ou explicitamente trabalhados, a partir da subjetividade individual de cada leitor. Portanto, resenhá-lo implicaria, necessariamente em deixar de abarcar alguma questão, motivo pelo qual prefiro compartilhar minhas impressões pessoais.

Talvez, o ponto mais interessante seja a tentativa de explicar o Brasil a partir de uma história genuinamente brasileira, contada a partir da experiência de Mário Andrade em suas muitas viagens Brasil a dentro. A preocupação do autor em registrar costumes, explicar a origem de ditos populares e estereótipos, além de contar piadas, transcende uma análise minuciosa – é quase uma tara.

A escolha do protagonista é o símbolo máximo da consolidação do movimento denominado "Antropofagismo", engendrado no contexto da Semana de Arte Moderna, em 1922. Àquele tempo, as ideias, muito embora revolucionárias e vanguardistas, eram imaturas e prescindiam, por assim dizer, de calcificação. Macunaíma é a obra madura, síntese literária da pretensão de construir o Brasil a partir da própria história brasileira. Deglutição, portanto, não implica afastar elementos de estraneidade, mas, tal como o fenômeno fisiológico, alimentar-se de influências, digeri-las (o que significa dizer, filtrá-las) e produzir um novo produto, pintado de verde e amarelo.

Após décadas de exaltação do bom indígena, símbolo da pureza e da moralidade, O Modernismo propõe-se a romper brutalmente com o Romantismo, movimento ufanista do final do século XIX. Não mais faz sentido a reprodução do modelo europeu e a caracterização dos elementos nacionais a partir de uma perspectiva eurocêntrica. Sobre o tema, Eduardo Viveiros de Castro, ensina que a noção de "perspectiva", é, no fundo, não se colocar no lugar do outro a partir de si mesmo, mas a partir do outro; é uma experiência, inerentemente corporal.[1] Somente assim, enquanto outro corpo, daquele que se dedica a estudar, é que se pode conhecer. Em dizeres spinozanos, conhecer algo é conhecê-lo por sua essência, isto é, por sua causa próxima.[2] Por isso a personagem não tem culpa. Esse conceito não faz parte de sua experiência, muito menos de sua essência, o que justifica seu comportamento reprovado por grande parte dos leitores.

Dessa maneira, a máxima "o herói sem nenhum caráter" não implica, necessariamente, na dedução de um anti herói. Também o é. A expressão "sem nenhum caráter" deve ser lida, a contrário senso, de muitos caracteres, ou seja, em última análise, de várias facetas. Conjuga, em sua formação, uma multiplicidade de personalidades. Macunaíma é, em análise perfunctória, herói, bravo guerreiro, amante, príncipe lindo, preguiçoso, mentiroso, trapaceiro. É o brasileiro, aquele que não gosta de trabalhar (ainda que a afirmativa seja bastante polêmica...) e gosta de levantar vantagem. Macunaíma é Gita, de Raul Seixas: o tudo e o nada.[3]

Macunaíma é a mais clara antítese de um padrão comportamental europeu que se propaga. É a resistência tupiniquim, original; um grito de ruptura com os paradigmas importados. É, concomitantemente, a expressão e a expressividade da miscigenação brasileira.

Outro tema fundamental, sem o qual a obras jamais teria tamanha riqueza, é o folclore. Mario de Andrade se esforça em agregar, nem que seja em um suspiro, qualquer traço típico de alguma região brasileira. A história propõe-se a ser a antítese dos modelos de contos infantis adaptados por Walt Disney. Chega de príncipes, reinos encantados e fadas madrinhas. No lugar destes, entram os elementos naturais e os seres fantásticos que há muito são utilizados para explicar os fenômenos da natureza.

Chega de importar modelos pré fabricados e a partir deles promover, a todo custo, a catequese cega de brasileiros a descartar sua produção cultural. O Brasil é colorido e repleto de gostos, cheiros e sentidos. Por isso, o patente escopo é produzir um modelo de Brasil a partir do próprio país, sem a existência de modelo prévio. Esse é o ponto chave: o pioneirismo. Seja na cultura, seja na política, há que se romper com os paradigmas há muito superados. Engendra-se um novo Brasil, legitimamente brasileiro. Promove-se a reestruturação do sistema político-econômico-social, incentiva-se a cultura nacional.

Macunaíma é a expressão desse novo Brasil, cheio de potencialidades e perspectivas. Lê-lo significa desbravar a cultura brasileira e seus mitos populares, adentrar pelo mato fechado da floresta e, em mais duas palavras, parar nos pampas gaúchos. Isso mesmo. Esqueça as noções de tempo e espaço. Aqui, nada é impossível. Tem homens que são máquinas e máquinas que são homens, há cachoeiras que choram, gigantes comedores de gente. Aqui não tem certo ou errado, mas conveniente. Afinal, Herói? Ou anti herói?



[1] VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. Ed. COSACNAIFY.

[2] SPINOZA. Benedictus de. Ética.3ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

[3] SEIXAS. Raul. Gita.Disponível em http://letras.mus.br/raul-seixas/48312/  às 23:55h do dia 26.03.2013.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Resenha de Macunaíma

"É negro, é branco é nissei, é verde, é índio peladão, é mameluco, é cafuzo, é confusão". Em uma só frase muitas etnias, em um pequeno grande livro muitos brasis. Dos índios do alto amazonas ao capitalista paulista "comedor de gente"; dos terreiros no Rio de Janeiro aos cantos mais interiores deste país. Quase alcançando a completude ao retratar de forma inovadora a nossa gente, Mário de Andrade, em sua obra prima, constitui de forma majestosa um olhar para o que é a Brasilidade. No passado, no presente e para o futuro.

Como um dos pioneiros do modernismo, não é difícil perceber que o autor faz reverência marcante ao movimento. Desapegado do formalismo e da linguagem rebuscada românticos, a escrita do livro apresenta um fluxo espaço temporal quase frenéticos. Aliás, se este também deve ser o ritmo da leitura, bem verdade que aos trôpegos diante de tantos regionalismos, neologismos e vocábulos indígenas, contraditória é a postura "dolce far niente" de Macunaíma. Imperador do mato virgem, herói de muitos e de nenhum caráter, é o marasmo personificado da gente brasileira.

Entre surtos esporádicos de ação consciente e premeditada, este herói vive embalado pelas próprias vontades. Mente sem saber porquê, "brinca" mesmo sem querer, dissimula, inventa motivos absurdos e faz qualquer um acreditar. Não faz por bem ou por mal, simplesmente faz. Filho do medo da noite, traz uma visão antropomorfista de todos os seres, sejam eles animados ou inanimados. Tudo e todos teriam a mesma essência, diferindo somente a forma com que cada indivíduo se materializaria, em vida e também após a morte.

Ao narrar a saga deste herói em busca de sua muiraquitã, uma espécie de amuleto místico e protetor, o autor concatena histórias, mitos, fatos, e as mais diversas características do povo brasileiro de forma magistral. Macunaíma ao rodar praticamente todo o Brasil, vivenciando muitas vezes episódios sem qualquer relação com a busca do dito amuleto, experimenta de tudo um pouco conforme seu bel prazer.

Através do herói e suas aventuras "a la Dom Quixote" podemos perceber melhor a nós mesmos. Seu olhar sobre a cidade grande provoca, inevitavelmente, reflexões sobre vida urbana e suas "necessidades". Se é bem verdade que o herói volta para sua terra, após conseguir reaver sua muiraquitã, não podemos dizer que ele era o mesmo ao voltar às margens Uriacoera. Sem ser somente negro, índio ou príncipe, Macumaína, como também é chamado, é único, mas ao mesmo tempo tudo isso, e todos nós.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Resenha - Macunaíma

Bruna Ponte

Mário de Andrade, um dos principais nomes do Modernismo, senão o mais representativo autor desse movimento iniciado no início do século XX, apresenta na obra "Macunaíma" as diferentes manifestações culturais que permeiam o povo brasileiro a partir do personagem central, o índio Macunaíma, e assim, com um estilo cômico e irônico de expor os feitos do herói, o autor fez com que a obra fosse de grande contribuição para o projeto de nacionalismo que almejavam os modernistas.

Fica claro ao longo da leitura o interesse do autor por diversas áreas de conhecimento e a aplicação de seu estudo no entendimento do Brasil e de questões sociais, políticas, econômicas e culturais do país naquele período, muitas delas ainda perceptíveis atualmente. Ele recheia a história de lendas populares, costumes regionais, modos de falar diferentes, e outros tipos de expressões culturais brasileiras. Além disso, ele descreve de forma notável como se dá o encontro dessas diversidades.

Na primeira parte da narrativa, Macunaíma é um índio negro nascido à margem do rio Uraricoera. Passa seus seis primeiros anos sem falar, e quando finalmente o faz, a expressão "ai, que preguiça" se torna sua fala mais marcante. O herói vive com a mãe, índia da tribo dos Tapanhumas, com a qual não possui uma relação tradicional de mãe e filho, e com os irmãos, Maanape e Jiguê. Para Macunaíma, não existe conceito de moralidade ou padrão de conduta baseado em princípios que deva ser seguido. Ele simplesmente age de acordo com seus instintos, como quando "brinca" com as mulheres do irmão. E o termo que o autor utiliza ao se referir ao ato sexual, "brincar", traduz a falta de malícia do personagem em relação à prática do ato.

Um evento marcante que muda os rumos da história é a morte da própria mãe pelo herói, que a confunde com um animal no momento da caça. Macunaíma e os irmãos, abalados pela perda, iniciam uma jornada juntos. Macunaíma se depara com CI, a Mãe do Mato, rainha das Icamiabas e a domina pelo uso da força, o que o transforma Imperador do Mato-Virgem. Ci  se torna a nova companheira dos irmãos e, em poucos meses, dá à luz a um filho do herói. Ci é mordida por uma cobra e a criança bebe o veneno do seio da mãe, e ambas falecem. Depois do enterro do menino, Ci entrega a Macunaíma uma muiraquitã, um amuleto, e sobe aos céus, por meio de um cipó. Ci se transforma na Beta de Centauro e seu filho, no guaraná.

Macunaíma e seus companheiros continuam a viagem sem rumo, até o momento em que têm de enfrentar a boiúna Capei, e na fuga, o herói perde o amuleto que herdou da amada Ci. Amparado pelo Negrinho do Pastoreiro, Macunaíma descobre que sua Muiraquitã está nas mãos de Venceslau Pietro Pietra, peruano, figura poderosa que reside em São Paulo. Os personagens, então, partem para a grande cidade à procura do amuleto. Um momento que não pode passar despercebido é a chegada dos irmãos a uma ilha, onde Macunaíma deixa sua consciência e encontra uma poça d'água encantada em que se banha, transformando-se em branco. Maanape, em seguida, entra na água e adquire um tom de pele mais claro, mas não branco. E por fim, Jiguê, que não consegue aproveitar quase nada da água encantada, fica apenas com as palmas das mãos e dos pés esbranquiçados.

Desde o início a obra é marcada por uma linguagem que é uma mistura das diferentes origens que compõem o povo brasileiro: indígena, africana e europeia. A princípio, a leitura pode parecer fatigante, pouco fluida, por conta do vocabulário "incomum" e dos muitos neologismos, adjetivos e expressões populares que o autor utiliza, mas logo é possível se adaptar à forma de escrita com que Mário de Andrade conseguiu romper com as correntes literárias que o antecederam.

Outro aspecto marcante o tempo todo durante a obra é a utilização de elementos fantasiosos, mágicos, místicos, que apresentam situações absurdas para explicar a realidade. É o caso das transformações dos seres que "morrem", como ocorre com Ci, com o filho da Mãe do Mato e do herói, e com a Boiúna, que ganham outros significados na história. Cada situação aparentemente ilógica, mostrando a influência do surrealismo, tem um porquê, na obra de Mário de Andrade. Um exemplo mais claro disso é a mudança de cor de Macunaíma e dos irmãos quando têm contado com a poça d'água. Ali o autor insere as três origens brasileiras, o branco, o negro e o índio.

A segunda parte da história narra a chegada dos irmãos a São Paulo, momento em que o autor evidencia o contraste de culturas que convivem no mesmo país. Macunaíma descobre que a moeda que vale naquela cidade grande não é o cacau, como na sua terra. O herói fica contrariado ao descobrir que precisa "trabucar" para sobreviver. Sua principal surpresa eram as máquinas-bicho. Máquina-roupa, máquina-bonde, máquina-telefone, máquina-jornal e todo aquele universo-máquina do centro urbano que o personagem não consegue compreender se é dominado pelos seres humanos ou se estes são dominados por aquele. O leitor é guiado a enxergar aquela situação através dos olhos de Macunaíma, como se realizasse um exercício antropológico de ver o que é familiar como diferente. É o momento em que a história apresenta críticas sociais, políticas e econômicas mais contundentes, mostrando como o país é desigual, não apenas rico em culturas diversas.

Um capítulo que merece destaque é o das "Cartas pras icamiabas", em que o autor critica a tentativa de impor ao brasileiro a linguagem erudita que os antecessores do modernismo empregavam. No capítulo, Macunaíma escreve, através de uma falsa e cômica linguagem erudita, para as guerreiras amazonas um relato de sua vida na nova cidade, e por meio desse relato, Mario de Andrade insere questões sérias da sociedade brasileira, inclusive sócio-econômicas. O personagem fala as sua dificuldade em entender o motivo de o povo do centro urbano falar em uma língua e escrever em outra. Macunaíma revela na carta sua nova compreensão do país em que vive, quando afirma que "Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são", afirmação que ele repete outras vezes no texto.

O poderoso Venceslau Pietro Pietra é introduzido como o Gigante Piamã comedor de gente. Ele assume na narrativa o papel do estrangeiro explorador do Brasil, aquele que rouba as pedras preciosas do povos nativos, no caso, o muiraquitã do índio Macunaíma. O ponto central da história é a recuperação do muiraquitã que está com o gigante. Macunaíma faz várias tentativas para recuperar seu amuleto que ganhou da amada Ci, e chega a se envolver em ritual de macumba, no qual com a ajuda de Exu consegue enfraquecer seu inimigo. Porém, o herói só recupera seu Muiraquitã tempos depois, quando finalmente consegue enganar o gigante e matá-lo.

No retorno para casa, Macunaíma é surpreendido com a morte de seus irmãos, e passa a viver triste e solitário, contando suas histórias a um papagaio. Num dia quente, quando o herói resolve mergulhar na lagoa, é atacado por piranhas que lhe tomam sua muiraquitã. Perdendo o gosto pela vida, o personagem então planta um cipó, que o leva ao céu, onde ele se transforma na Constelação da Ursa Maior. Um homem, um dia, chega à terra de Macunaíma, e o papagaio companheiro do herói o confidencia as aventuras vividas pelo índio. Este homem é Mário de Andrade, o intermediário que reconta a história que ouviu.

Muitos admitem que Macunaíma seja o símbolo do modo de ser brasileiro, que, presumidamente, seria aquele que tem preguiça, que vive sonhando, que não perde o gosto pelas mulheres. Mas o autor mostra na obra como é impossível classificar apenas um modo de ser que representasse toda a cultura nacional. Macunaíma seria o fundador da cultura brasileira, representante do povo brasileiro, que não tem caráter definido. Ele cria o futebol, o truco e expressões populares. A história aborda ainda o sincretismo religioso, também bastante arraigado na cultura brasileira. De fato, a obra carrega uma carga nacional muito forte, de forma que apenas entendendo minimamente a(s) língua(s) e a(s) cultura(s) brasileiras é possível compreender a história.

Outra questão presente em Macunaíma é a representação dos brasileiros como povo sem nenhum caráter. Não existiria para o brasileiro a noção de caráter, portanto, não se trata de aplicar juízo de valor às suas atitudes, classificando-as como boas ou más. O Brasil teve um desenvolvimento peculiar e seu povo não pôde desenvolver uma personalidade definida, por não pertencer a uma civilização própria, com consciência tradicional. E, assim, da forma como surgiu e se constituiu, o brasileiro é apresentado por Mário de Andrade no movimento do modernismo, criando uma oposição à visão do indianismo romântico, que não condizia com a realidade.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Resenha - Macunaíma

Por Mariana Taufie

     Macunaíma é uma obra que se destaca por retratar a população brasileira de uma forma diferente e nunca antes apresentada. Se constroi um personagem que é marcado pela preguiça, pela inocência e pela mentira. Essas diversas características se unem em Macunaíma, mostrando que a população brasileira não é exatamente aquela retratada pelo romantismo, ou imposta pela cultura europeia. O brasileiro apresenta características próprias, únicas, que merecem destaque na literatura. O livro consegue retratar um pouco do país em que vivemos, mostrando que uma das características mais marcantes de nossa população é a alegria.

     Começando pela análise do título, podemos entender que Macunaíma não seria um heroi  como os herois retratados pelas grandes histórias mitológicas, mas sim um heroi que aparece nas histórias indígenas, um heroi ingênuo e esperto. O fato de não ter caráter significa que Macunaíma não tem um modelo prévio, ele não é marcado pelo sentimento de culpa. O heroi Macunaíma possui diversos características, e não só uma.

     A obra nos faz ver outros modos de pensar, outras formas de se relacionar com a natureza e, principalmente, ela nos mostra como a população brasileira é miscigenada, como em um só país convivem diversos modos de vida, diversos costumes e tradições. Além disso, são relatadas visões folclóricas que existem em algumas regiões do Brasil, o que enriquece ainda mais a obra. Com toda essa diversidade, a obra mostra que, no fundo, todos pertencem ao Brasil, não importando a região ou o vocabulário utilizado. 

     Macunaíma contrasta com o índio fantasiado pelo romantismo, que era idealizado e não apresentava as características tipicamente indígenas. No livro de Mário de Andrade, o índio se aproxima mais do que conhecemos, se aproxima do que seria o brasileiro.

     A obra chama atenção, logo em um primeiro momento, para a linguagem utilizada. As frases possuem um ritmo, lembrando muito a linguagem falada. Nas primeiras páginas, o vocabulário usado causa estranhamento, mas ao longo do livro o leitor vai se adaptando. Isso nos faz perceber como o nome dado a um objeto pode não ser tão importante para entender o que está acontecendo. Na maioria das vezes, o contexto traduz o que as palavras designam. O vocabulário utilizado no livro também mostra como a cultura brasileira é rica, como existem diversas expressões e nomes que não conhecemos quando vivemos nos grandes centros urbanos, desmistificando a ideia de que o conhecimento existente nas cidades seria mais rico e mais completo, e nos mostrando que toda região tem suas características positivas.

     Uma das características observadas ao longo do livro é a de ausência de vírgulas em muitas enumerações, o que cria um ritmo diferente e que influencia a forma de ler a obra.

     No primeiro capítulo do livro, é retratado o nascimento de Macunaíma e a sua infância. Nesse início, já são mostradas algumas de suas características mais marcantes, como a preguiça.

     No segundo capítulo, a mãe de Macunaíma o deixa sozinho no mato, como um castigo pelo seu comportamento. Depois disso, o heroi encontra o Currupira, que passa a segui-lo até que Macunaíma consegue fugir e volta para onde estava sua mãe e seus companheiros Jiguê e Maanape. Logo depois a mãe de Macunaíma morre e eles partem daquele lugar.

     Macunaíma encontra Ci, chamada de Mãe do Mato, enquanto no filme, Ci é retratada como uma guerreira urbana. Antes de morrer, Ci entrega  a pedra muiraquitã para Macunaíma. Este a perde na praia do rio e depois descobre que ela foi vendida para Venceslau Pietro Pietra, que morava em São Paulo. Com isso, Macunaíma, Jiguê e Maanape resolvem ir até lá.  Venceslau é o estrangeiro que chega ao Brasil e consegue a pedra valiosa, é o estrangeiro contra quem Macunaíma tem que lutar para retomar o que é seu.

    Uma das cenas mais interessantes do livro é a de quando Macunaíma chega à São Paulo e fica observando como tudo funciona, como as pessoas se comportam e o que fazem:

 

          Os tamanduás os boitatás as inajás de curuatás de fumo, em vez eram caminhões bondes autobondes        anúncios-luminosos relógios faróis rádios motocicletas telefones gorjetas postes chaminés...Eram máquinas e tudo na cidade era só máquina! O heroi aprendendo calado. De vez em quando estremecia. Voltava a ficar imóvel escutando assuntando maquinando numa cisma assombrada. (ANDRADE, p.39)

 

     O livro retrata também a cena em que Macunaíma está no centro da cidade de São Paulo e fala que viu um rastro de tapir. Todos se mobilizam para procurá-lo, mas logo depois Macunaíma fala que mentiu. Essa parte do livro é umas das muitas em que é mostrado o fato de não sentir culpa, como já explicado.

     No livro, Macunaíma vai até a casa de Venceslau no dia da macarronada, este cai nela e morre. Com isso, Macunaíma pega o muiraquitã de volta. Ao longo de todo o livro, percebemos a ausência da morte como conhecemos, os personagens se transformam em vez de morrer, como acontece com Ci. Mas a cena da festa mostra uma diferença em relação à morte, pois Venceslau, ao cair na macarronada, acaba morrendo, e não se transformando como os outros personagens.

     Depois de recuperar a pedra, Macunaíma, Jiguê e Manaape deixam São Paulo. Eles partem levando objetos que tinham chamado atenção deles, como um relógio. A cena mostra como a tecnologia fica descaracterizada e sem utilidade quando está fora do lugar para qual ela foi pensada:

 

          "Estavam ali com ele o revólver Smith-Wesson o relógio Pathek e o casal de galinha Legorne. Do revólver e do relógio Macunaíma fizera os brincos das orelhas e trazia na mão uma gaiola com o galo e a galinha" (ANDRADE, p. 127)

 

     Ao voltar para sua terra, Macunaíma já não é mais o mesmo, ele fica sozinho e deixa o lugar onde morava.

     A deusa do Sol, Vei, que tinha oferecido uma de suas filhas à Macunaíma, quando este esteve no Rio de Janeiro, tinha pedido que ele não fosse atrás de mais ninguém, mas Macunaíma descumpriu e Vei resolve se vingar. Para isso, Vei faz com que Macunaíma sinta calor e entre na lagoa, ao entrar, ele vê Uiara e vai até ela, com isso, ele é mordido e vai perdendo partes do seu corpo. Macunaíma vai para o céu, se transformando em Ursa Maior.

Resenha - Macunaíma

Por Tainá Passos de Menezes
            
Trata-se de resenha crítica do livro "Macunaíma, o herói sem nenhum caráter" do escritor modernista Mário de Andrade. Lançado pela primeira vez em 1938, este livro representa bem a mudança artística que estava ocorrendo desde a Semana de Arte de 1922, quando foi mostrado pela 1ª vez ao público, um novo estilo, que mais tarde ficou conhecido como Modernismo.
            O livro foi muito festejado, pelos chamados modernistas, por refletir os ideais do movimento. Compreendia-se por um não apego as formas e a não idealização de um herói, fato que se opunha completamente a 1ª fase do romantismo (estilo anterior a que o modernismo vinha a se opor), chamada de nacionalismo/ufanismo.
            E realmente o que chama atenção no livro é o não apego às formas. O autor não parece preocupado em se fazer entender ou em tornar o livro polido, mas tenta retratar de forma fidedigna o modo de falar de uma tribo indígena e do interior do país. Desta forma, os regionalismos e neologismos estão sempre presentes, o que é um dos pontos negativos do livro, uma vez que faz com que a leitura fique pesada.
            Passando a uma análise da história, podemos entender porque Macunaíma fez tanto sucesso entre os artistas modernistas da época. É a história de um índio chamado Macunaíma que nasce "preto retinto e filho do medo da noite". Apesar de ser chamado de "herói da nossa gente", o personagem principal é na verdade o contrário de uma pessoa que poderia ser considerado, em condições normais, um herói. Preguiçoso, mentiroso, mulherengo e encrenqueiro (para falar o mínimo!), ele tem como seu bordão principal a frase "Ai que preguiça".
            E apesar de a primeira vista parecer estranho é exatamente esta crítica que Mário de Andrade vem fazer. Em oposição clara ao herói do período romancista-ufanista que era perfeito, com caráter exemplar, Macunaíma é um homem com mais defeitos do que qualidades, que mesmo assim é considerado herói.
            Retomando a história do livro, o herói tem uma mãe e 2 irmãos Maanape e Jiguê, os últimos serão os que mais sofrerão ao longo do livro com as traquinagens de Macunaíma. Jiguê logo no começo do livro ao escolher uma companheira, de nome Sofará, é traído por ela e pelo próprio irmão diversas vezes quando esta leva Macunaíma para passear no mato. Ele não demora a descobrir a traição e mandar a moça de volta para casa de seu pai.
Jiguê não fica sozinho e logo depois vai morar com outra moça chamada Iriqui. Como Macunaíma não perde tempo acaba traindo o irmão novamente. Jiguê, entretanto, não briga mais e deixa Iriqui para o irmão.
            A mãe de Macunaíma não se demora na história e acaba morrendo logo. O que faz com que os 4 saiam da tribo e vão vagar pelo Brasil. Iriqui acaba ficando pelo meio do caminho. É quando Macunaíma encontra Ci, a mãe do mato virgem, o grande amor do herói da história. Após se deitar com ela, Macunaíma vira o Imperador do Mato Virgem e vai morar com Ci no capão de Meu Bem na Venezuela. Lá eles moram em outra tribo onde Ci comandava as mulheres nas brigas.
A vida do herói é só alegria e preguiça. Eles chegam a ter um filho que é adorado por todos da tribo. Entretanto, a felicidade dura pouco e Ci morre envenenada por uma Cobra Preta, e o bebê ao tomar o leite da mãe acaba morrendo também.
Nesta parte temos o primeiro contato com uma característica muito forte no livro: as lendas. Ao morrer Ci sobe em um cipó e vai morar no céu, vira a estrela Beta da constelação de Centauro. No lugar onde o filho deles é enterrado nasce uma planta, o guaraná. Este tipo de história se repetirá por todo o livro e é um de seus pontos fortes.
Ci tinha um colar de Muiraquitã que antes de morrer deu para Macunaíma que fez deste um tememberá. Esta pedra é o que moverá toda a história.
Macunaíma cheio de tristeza decide ir embora com seus irmãos e voltam para o Brasil. No caminho encontram monstro Capei que após ser derrotado pelo herói vira a Lua. É durante este ocorrido que Macunaíma perde a Muiraquitã. Descobre depois que a pedra fora parar na barriga de uma tartaruga e que depois a pedra fora vendida a um peruano chamado Vencesleu Pietro Pietra que enriquecera e agora morava em São Paulo.
É assim que o herói decide ir com seus irmãos para São Paulo. No caminho ele encontra uma água mágica e ao se banhar fica branco e lindo, enquanto Jiguê continua negro e Manaape fica vermelho como índio. Nesta pequena parte do livro o autor faz uma pequena reflexão sobre as miscigenação do povo brasileiro apresentando os 3 principais povos a partir dos quais se formou a "nossa gente".
Ao chegarem a São Paulo, o herói se assusta com as máquinas e carros e acredita que os homens viraram maquinas também. É uma das criticas mais interessantes feitas por Mário de Andrade. Um índio que nunca teve contato com a cidade acaba enxergando que os que aqui vivem se tornaram tão dependentes das máquinas que já são elas.
Macunaíma vai atrás de Venceslau e descobre ser este o gigante Piamã comedor de gente. Ele tenta achar o muiraquitã, porém sem sucesso. Tem a ideia de se disfarçar de francesa para comprar a pedra, no entanto, Venceslau tem segundas intenções e acaba descobrindo que se trata do herói vestido com roupas de mulher.
Com raiva Macunaíma vai à macumba da Tia Ciata e durante o ritual tem seu pedido atendido de poder bater em alguém no terreiro e Venceslau sentir, mesmo estando em casa. O autor nesta parte detalha o ritual, o que é em minha opinião bem assustador, mas que serve totalmente ao propósito do livro ao descrever outra religião que não a Católica.
Macunaíma ainda acaba indo para o Rio de Janeiro, lá fala com Vei, a Sol que lhe propõem que ele se casa com uma de suas 3 filhas. O herói aceita, porém, mulherengo como é acaba achando outra mulher e depois tem que enfrentar a fúria da Sol e de suas filhas. É neste capítulo que ele cria outro bordão: "Pouca saúde e Muita saúva, os males do Brasil são!"
Macunaíma retorna à São Paulo e descobre que o gigante está doente depois da sova que o herói lhe deu. Ele então tenta se distrair com outras coisas e vai a um parque. Neste capítulo está presente outro diferencial do livro, a explicação para a formação de certas palavras. É o que acontece com a palavra "puíto", Macunaíma ao não saber como denominar "botoeira", utilizou a palavra "puíto" que acabou virando moda.
Uma das passagens mais engraçadas do livro acontece quando Macunaíma querendo se vingar de seus irmãos diz haver rastro de tapir no centro da cidade de São Paulo. Ocorre que vários transeuntes que passavam pelo local começam a procurar também. Quando o povo descobre estar sendo enganado querem agredir o herói e seus irmãos. No meio da confusão Macunaíma acaba sendo preso. O povo com pena se junta para que soltem o herói. No meio da confusão ele foge e volta para casa de Venceslau, onde acaba por ser caçado por sua mulher, Ceuci pelo Brasil a fora.
Esta é outra característica importante do livro, Mario de Andrade não parece se preocupar com as distâncias geográficas ou com fronteiras territoriais. Ele sempre descreve as confusões de Macunaíma por todos os cantos do Brasil. Creio que para falar de todas as regiões do país e suas peculiaridades.
O desfeixo da história quando depois de muitas outras situações inusitadas Macunaíma consegue o Muiraquitã, ocorre quando Venceslau que havia viajado para a Europa retorna de viagem. O herói vai até a casa dele e esperto não cai em sua arapuca para fazer dele molho de macarrão. Pelo contrário é Macunaíma quem engana o gigante e faz com que ele caia no molho de macarrão e morra, deixando o Muiraquitã finalmente para o herói.
Após esta vitória Macunaíma e os irmãos retornam a sua tribo, Uraricoera, onde tudo começou. O herói ainda encontra uma princesa no caminho a quem faz sua mulher. O resto são histórias e mais lendas.
No final da história Jiguê acaba contraindo uma doença que lhe torna uma sombra. Ele acaba por matar Manaape e a princesa. Macunaíma acaba fugindo. No entanto, sozinho acaba por ficar triste relembrando suas glórias do passado. Ao ir se banhar em um rio quase é comido pela Iara, no entanto, consegue escapar. Cansado da vida, machucado pelo ataque da Iara e sem uma perna o herói decide ir morar no céu e se torna a constelação da Ursa Maior.
A história é, assim, simples. Há um objetivo maior: a busca de Macunaíma pela pedra. No entanto, toda a história é permeada por pequenas aventuras do herói que tornam tudo mais interessante.
Estas histórias não fazem sentido separadas apenas podem ser analisadas em um contexto geral. Elas visam desconstruir a visão clássica de herói criada no romantismo. Pedem atenção ao fato de que os brasileiros não são perfeitos, mas que são cheios de defeitos e malandragens.
Devido à dificuldade linguística não considerei um bom livro. É difícil se adaptar aos regionalismos e neologismos. E até a história em si é confusa. Há que se fazer uma séria abstração para compreendê-la. Mas é válida sua leitura pela critica feita e pelo contexto histórico em que foi criada.

Vídeo - Eu Sou Melhor Que Você - Moreno + 2

Música "Eu Sou Melhor Que Você" de Moreno Veloso


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Álvaro Costa de Faria.

Paraísos Digitais: A geração Y e o drama da individualidade

Para refletir:

"Poema em linha reta
 Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. "

https://www.youtube.com/watch?v=ATjmsqDjN2k




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Álvaro Costa de Faria.

Resenha - Macunaíma

Por Joana Castro


Ao começar o livro, o leitor tem que aceitar uma linguagem que é cheia de regionalismos, neologismos e uma abundância de enumerações. A leitura não é fácil, na verdade é bem cansativa. É constituída por vocábulos indígenas, africanos, coloquialismos (inda, magina, num, etc.) e forma um estilo dinâmico e irônico do povo brasileiro. Tudo isso faz parte da tentativa de retratar a identidade brasileira, e assim, percebe-se que o livro é também um projeto nacionalista.

A obra de Mário de Andrade apresenta alguns obstáculos ao leitor no que tange sua referência ao folclore brasileiro e à linguagem oral e regional, optando por usar a linguagem falada no Brasil e não a escrita. A narrativa como um todo tem essa marca da oralidade. Isso se mostra muito claro no capítulo "Cartas pras Icamiabas", em que Macunaíma critica a diferença entra a palavra falada e escrita.

Um dos temas de "Macunaíma" é a interpretação do que seria caráter. Macunaíma não teria caráter por não viver os valores da civilização ocidental, já que ele "brinca" com praticamente todas as mulheres no livro, inclusive as namoradas de seu irmão Jiguê mesmo tendo um único e grande amor que seria Ci, rainha das Amazonas (capítulo V). Ci, porém, acaba morrendo e sua morte traz consequências indesejáveis para Macunaíma que inicia sua perambulação pelo Brasil afora. Sua felicidade é dependente da posse de um talismã, a "muiraquitã" que era de seu amor, Ci. O livro todo se desenvolve em torno de sua recuperação.

Existem vários elementos surrealistas que devem ser aceitos pelo leitor de forma simbólica. Como o fato de Macunaíma morrer algumas vezes, de tomar banho e se tornar branco por causa da água, virando um lindo príncipe (seu irmão Jiguê fica cor de bronze, pois a água já estava suja e seu outro irmão, Manaape, só embranque as palmas das mãos e a sola do pé—isso simbolizaria a união de etnias que formam o povo brasileiro), assim como enquanto foge percorre a distância entre Manaus e a Argentina em poucas linhas. Além desses exemplos, os personagens ao invés de morrem viram algo: Ci vira uma estrela; o filho de Macunaíma vira a plantinha do guaraná; Macunaíma vira a constelação Ursa maior e assim por diante. Existem também momentos em que Macunaíma se transforma; primeiro em uma francesa e posteriormente em uma piranha.

No meio da narrativa, no capítulo IX, Macunaíma escreve uma carta para os Icamiabas que pode ser resumida em uma sátira da época. É interessante porque há uma reversão de ordem—é o índio contando seu descobrimento da terra estranha. Pela primeira vez no livro usa-se uma linguagem rebuscada, porém os erros grosseiros traduzem o falso erudito da carta ("testículos da Bíblia" ao invés de versículos). Na carta ele fala que as mulheres da cidade "embora ricamente díspares entre si, quais morenas, quais fossem maigres, quais rotundas; e de tal sorte abundante no número e de diversidade, que muito nos preocupa a razão, o serem todas e tantas, originais dum país somente. Acresce ainda que todas se lhes dão o excitante, embora injusto, epíteto de "francesas"". Também fala que os paulistas "são a única gente útil do país". No capítulo XII, mantendo-se fiel ao conteúdo da carta, Macunaíma declara que "a civilização europeia de-certo esculhamba a inteireza do nosso caráter". Simultaneamente Macunaíma é fascinado por São Paulo e diz que tudo nela "era só máquina!". Conclui que "Os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram homens".

A obra condensa tradições orais e folclóricas do povo brasileiro e foi feito depois de extensa pesquisa. No livro, Mário de Andrade faz uma mistura entre características raciais do povo brasileiro. Desta combinação, o herói sem nenhum caráter, definição dada ao personagem, é o povo brasileiro.

Dessa maneira, "Macunaíma" é uma obra que procura identificar o caráter brasileiro, buscando o que seria a "brasilidade" na fase modernista. Pode-se concluir que o povo brasileiro não tem um caráter definido e por ser um país grande e novo é imaturo, assim como seria Macunaíma. Portanto, é uma tentativa de construção do que seria o povo brasileiro. Isto é feito por meio de explicações como o nascimento da expressão "vai tomar banho" (capítulo VIII) ou então o surgimento do futebol (capítulo VI). Outro aspecto que, de maneira sagaz, Mário de Andrade menciona é a influência dos missionários na cultura brasileira, pois no capítulo XIII descreve que a Suzi agia imoralmente, mas depois de conhecer o Santo Anchienta "não fazia imoralidades". A obra distingue-se da fase romântica em que o índio é idealizado e se aproximava a perfeição. Ao contrário, Macunaíma é muito safado, preguiçoso e suas ações são movidas pelo prazer mundano.

terça-feira, 19 de março de 2013

Resenha - Macunaíma

por Luciana Vasconcellos
Macunaíma, obra escrita por Mário de Andrade em 1926, representa a primeira fase do movimento Modernista – a fase heróica, e busca, por meio de elos étnicos, lingüísticos e culturais, criar um personagem e sua história como expressão da essência da nação brasileira, como uma tentativa de criar um retrato do povo brasileiro.
À primeira vista, a leitura de Macunaíma apresenta-se cansativa lingüisticamente, pois o autor reiteradamente utiliza não só vocábulos indígenas, em consonância com a idéia do Modernismo de desafiar as tradições européias – no caso, a língua lusitana-,como também provérbios regionais e neologismos, criando um empecilho à compreensão do texto. Ultrapassando-se a barreira do querer entender cada ponto e o porquê de cada vírgula, transcende-se à compreensão de que o autor busca um estilo narrativo popular e dinâmico que, carregado de ironia, não tenta ser verossímil, mas fantástico e épico, permitindo que apreciemos as aventuras do herói sem nenhum caráter.
O índio de Mário de Andrade, em nítida oposição ao Romantismo ufanista, não é símbolo de força, de coragem e de bravura, como Peri, de O Guarani, é antes um ser desprovido dos valores tradicionais das sociedades européias, desapegado de virtudes cristãs,guiado pelo prazer terreno, o que faz com que o leitor, embebido na sociedade europeizada, o enxergue, por deveras vezes, como mentiroso, desonesto e definitivamente contraditório – sem nenhum caráter.
Macunaíma, “herói de nossa gente”, nasceu no interior da floresta amazônica, no meio do mato virgem, descendendo de uma tribo de índios negros chamada Tapanhumas. Ele é descrito como inteligente desde pequeno, talvez astuto pelo modo como “manipulava” todos ao seu redor. O protagonista teria se tornado adulto ao tomar um banho com caldo de mandioca braba, crescendo todo o corpo, menos a cabeça. O fato pode ser interpretado como uma crítica ao Brasil, que teria crescido rápido demais, urbanizado-se subitamente, mas permanecido imaturo, “com a cabeça pequena”. Macunaíma era um índio preguiçoso que “parasitava” seus irmãos Jiguê e Maanape, e que gostava mesmo é de “brincar”, verbo utilizado por Mário de Andrade para significar os encontros amorosos. O personagem vive sua vida brincando com várias índias, conforme sua vontade o guiasse, inclusive com as mulheres de seu irmão, Jiguê, até que um dia, encontra Ci, a Mãe do Mato, o grande amor de sua vida.
Torna-se então o Imperador da Mata Virgem, tendo um filho com Ci, que morreu prematuramente depois de mamar no único peito de Ci que fora envenenado pela Cobra Preta. A índia, tendo enterrado o filho, decide subir para o céu em um cipó e deixar esse mundo, transformando-se em estrela. Antes de fazê-lo, Ci dá à Macunaíma sua muiraquitã, talismã famoso e precioso. Tomado por tristeza, o herói resolve partir para matas misteriosas, encontrando no caminho um monstro fantástico que solta nuvens de marimbondos chamado Capei, contra o qual lutando, perde o seu talismã. Posteriormente, Macunaíma descobre, através de um uirapuru, que seu talismã estava na posse de um rico fazendeiro chamado Venceslau Pietro Pietra, dono de uma mansão em São Paulo. O índio resolve ir para a capital paulista para recuperar sua muiraquitã, dando início a uma narrativa épica que novamente desafia a verossimilhança do romance.
A partir desse ponto na narrativa, o espaço em que a história se passa caracteriza-se definitivamente como parte de uma narrativa mítica. É possível identificá-lo genericamente como o espaço geográfico brasileiro, com algumas referências ao exterior, mas sempre ignorando barreiras físicas, de modo que é possível em um momento que Macunaíma esteja em Manaus, e poucas linhas depois, em fuga, encontre-se na Argentina.
Em busca de sua muiraquitã, Macunaíma desce o Araguaia com seus irmãos rumo a São Paulo, encontrando no caminho uma fonte que o deixa branco de olhos azuis – um príncipe lindo-, faz de Jiguê cor de bronze como o índio e de Manaape, o negro que só conseguira embranquecer as palmas das mãos e as solas dos pés. Simbolizando assim as três etnias que formaram o Brasil.
Invertendo os relatos quinhentistas da literatura informativa, Mário de Andrade nos apresenta a visão dos índios ao se depararem com São Paulo urbanizada e moderna. A “civilização” é gradativamente assimilada, com as dificuldades de discernir onde termina o homem e onde começa a máquina. Ao chegar na capital paulista, Macunaíma fica sabendo que Venceslau Pietro Pietra é o gigante Piamã, comedor de gente. Depois de tentar com frustração reaver sua muiraquitã, o herói decide travestir-se de francesa, almejando comprar ou tomar em empréstimo a pedra. O gigante deixa implícito que só entregaria o talismã se a francesa resolvesse brincar com ele, o que prontamente inquieta Macunaíma e o propele em uma fuga em que o herói, em correria, percorre grande parte do território brasileiro, acabando por parar no Rio de Janeiro.
É no Rio de Janeiro que Macunaíma chega ao terreiro de Macumba da tia Ciata, a quem pede vários castigos ao gigante Piamã, buscando derrotá-lo. No Rio, o herói reencontra a desua-sol, Vei, que pretendia casar uma de suas filhas com Macunaíma, que deveria ser fiel, mas que, não consegue manter sua palavra, posto que, mal anoiteceu, já estava a brincar com uma portuguesa. Surge um novo monstro que come a portuguesa e assusta Macunaíma, que resolve voltar a São Paulo.
Em “Cartas pras Icamiabas”, apresenta cartas escritas por um saudoso Macunaíma em um relato de como era sua vida na capital paulista. A carta mostra-se uma sátira crítica aos modos de vida, desmascarando amores pecaminosos e capitalismo selvagem, destacando que o povo de São Paulo era muito peculiar pois “falam numa língua e escrevem noutra”. Enquanto isso, Venceslau Pietro Pietra está travado em uma rede, após a surra que recebera de Exu, impedindo que Macunaíma readquirisse sua muiraquitã. O herói ocupou-se no meio tempo de estudar as duas línguas da terra, como havia mencionado em suas cartas às amazonas, “o brasileiro falado e o português escrito”.
Seguindo a narrativa fantástica, o herói diz ter visto “rasto fresco de tapir” em São Paulo, frente à Bolsa de Mercadorias, criando um caos tal que, vendo seus irmãos acusados, Macunaíma os defende em amor fraternal, adentrando a multidão com rasteiras e cabeçadas, sendo por fim preso. Em meio a confusão, Macunaíma foge e consegue ver o estado do gigante Piamã, que ainda estava se recuperando, o que faz com que ele resolva tentar assustá-lo junto com sua família. Macunaíma vira peixe, vira pato e após brincar com a filha mais nova de Ceiuci, foge por Manaus e acaba se encontrando na Argentina.
Venceslau Pietro Pietra viaja à Europa, Macunaíma finge ser um pianista e tenta, junto ao governo, conseguir uma bolsa de estudo no velho continente, mas fracassa. Em sua espera faz uma jornada em que ludibriado por um macaco morre e é revivido com guaraná e uma dose de pinga. O gigante volta à São Paulo e Macunaíma finalmente decide enfrentá-lo frente a frente, conseguindo com um truque derrubá-lo na água fervente da macarronada que Ceiuci preparava. O herói, vitorioso, recupera neste momento sua muiraquitã, decidindo com seus irmãos que agora eram novamente índios e que deveriam voltar para sua tribo.
Macunaíma sente-se satisfeito de ter recuperado seu talismã, mas, ao mesmo tempo em que almeja retornar a sua terra, sente-se saudoso de São Paulo, tanto que decide levar consigo várias relíquias de São Paulo. Novamente Mário de Andrade faz uma inversão dos relatos quinhentistas, apresentando desta vez o índio que retorna ao lar com tranqueiras que lá nada servem, em paralelo ao que acontecera no processo de colonização em que os europeus retornavam ao lar com lembranças indígenas sem o menor valor prático.
Em seu caminho de volta, Macunaíma faz de um pé de carambola uma linda princesa, por quem enlouquece-se de vontade de brincar. O herói tem uma jornada feliz, até que chega finalmente ao Urariocoera natal, quando reconhece suas Raízes e chora, pois nada era como antes, e a “maloca da tribo era agora uma tapera arruinada”. Pode-se entender que há uma correlação da ruína da terra com o próprio protagonista que, mesmo tentando identificar-se como índio, sabe que mudou demais para ainda sê-lo como antes. Segue-se a decaída e o declínio do herói.
Uma sombra leprosa devora os irmãos de Macunaíma e a linda princesa, deixando o herói só e entristecido, de modo que até as aves o abandonam, à exceção de um papagaio que se torna seu confidente.Em uma última vingança de Vei, a Sol, Macunaíma é atraído pelos encantos de uiara, que o mutila, devorando-lhe uma perna e várias outras partes do corpo, desaparecendo também sua muiraquitã. O protagonista tenta ainda recuperar suas partes e seu tesouro, mas não o consegue, de modo que acaba por virar estrela.
Eis contada a história de Macunaíma – o herói sem caráter. Caráter tido aqui não como a concepção de uma realidade moral, posto que esta não poderia ser aplicada a um ser que não pertence ao meio de uma civilização cristã-européia. Caráter em um sentido de entidade psíquica permanente, manifestada esta em costumes, na língua e na história. Visto assim, Macunaíma, e por conseguinte a nação brasileira, seria sem caráter por não ser construída de retalhos e pedaços de outras pessoas e outras nações. Para o modernista Mario de Andrade, o Brasil, bem como o imaturo Macunaíma, estaria em um estado em que se pode perceber tendências gerais, mas sem afirmação de uma ou outra, sua civilização não seria própria e nem teria o pais tempo o suficiente para formar uma consciência de si. Assim sendo, a falta de caráter se daria ao mesmo tempo pela ausência de um caráter específico e pela oscilação entre tantos outros em consolidação.