quarta-feira, 20 de março de 2013

Resenha - Macunaíma

Por Joana Castro


Ao começar o livro, o leitor tem que aceitar uma linguagem que é cheia de regionalismos, neologismos e uma abundância de enumerações. A leitura não é fácil, na verdade é bem cansativa. É constituída por vocábulos indígenas, africanos, coloquialismos (inda, magina, num, etc.) e forma um estilo dinâmico e irônico do povo brasileiro. Tudo isso faz parte da tentativa de retratar a identidade brasileira, e assim, percebe-se que o livro é também um projeto nacionalista.

A obra de Mário de Andrade apresenta alguns obstáculos ao leitor no que tange sua referência ao folclore brasileiro e à linguagem oral e regional, optando por usar a linguagem falada no Brasil e não a escrita. A narrativa como um todo tem essa marca da oralidade. Isso se mostra muito claro no capítulo "Cartas pras Icamiabas", em que Macunaíma critica a diferença entra a palavra falada e escrita.

Um dos temas de "Macunaíma" é a interpretação do que seria caráter. Macunaíma não teria caráter por não viver os valores da civilização ocidental, já que ele "brinca" com praticamente todas as mulheres no livro, inclusive as namoradas de seu irmão Jiguê mesmo tendo um único e grande amor que seria Ci, rainha das Amazonas (capítulo V). Ci, porém, acaba morrendo e sua morte traz consequências indesejáveis para Macunaíma que inicia sua perambulação pelo Brasil afora. Sua felicidade é dependente da posse de um talismã, a "muiraquitã" que era de seu amor, Ci. O livro todo se desenvolve em torno de sua recuperação.

Existem vários elementos surrealistas que devem ser aceitos pelo leitor de forma simbólica. Como o fato de Macunaíma morrer algumas vezes, de tomar banho e se tornar branco por causa da água, virando um lindo príncipe (seu irmão Jiguê fica cor de bronze, pois a água já estava suja e seu outro irmão, Manaape, só embranque as palmas das mãos e a sola do pé—isso simbolizaria a união de etnias que formam o povo brasileiro), assim como enquanto foge percorre a distância entre Manaus e a Argentina em poucas linhas. Além desses exemplos, os personagens ao invés de morrem viram algo: Ci vira uma estrela; o filho de Macunaíma vira a plantinha do guaraná; Macunaíma vira a constelação Ursa maior e assim por diante. Existem também momentos em que Macunaíma se transforma; primeiro em uma francesa e posteriormente em uma piranha.

No meio da narrativa, no capítulo IX, Macunaíma escreve uma carta para os Icamiabas que pode ser resumida em uma sátira da época. É interessante porque há uma reversão de ordem—é o índio contando seu descobrimento da terra estranha. Pela primeira vez no livro usa-se uma linguagem rebuscada, porém os erros grosseiros traduzem o falso erudito da carta ("testículos da Bíblia" ao invés de versículos). Na carta ele fala que as mulheres da cidade "embora ricamente díspares entre si, quais morenas, quais fossem maigres, quais rotundas; e de tal sorte abundante no número e de diversidade, que muito nos preocupa a razão, o serem todas e tantas, originais dum país somente. Acresce ainda que todas se lhes dão o excitante, embora injusto, epíteto de "francesas"". Também fala que os paulistas "são a única gente útil do país". No capítulo XII, mantendo-se fiel ao conteúdo da carta, Macunaíma declara que "a civilização europeia de-certo esculhamba a inteireza do nosso caráter". Simultaneamente Macunaíma é fascinado por São Paulo e diz que tudo nela "era só máquina!". Conclui que "Os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram homens".

A obra condensa tradições orais e folclóricas do povo brasileiro e foi feito depois de extensa pesquisa. No livro, Mário de Andrade faz uma mistura entre características raciais do povo brasileiro. Desta combinação, o herói sem nenhum caráter, definição dada ao personagem, é o povo brasileiro.

Dessa maneira, "Macunaíma" é uma obra que procura identificar o caráter brasileiro, buscando o que seria a "brasilidade" na fase modernista. Pode-se concluir que o povo brasileiro não tem um caráter definido e por ser um país grande e novo é imaturo, assim como seria Macunaíma. Portanto, é uma tentativa de construção do que seria o povo brasileiro. Isto é feito por meio de explicações como o nascimento da expressão "vai tomar banho" (capítulo VIII) ou então o surgimento do futebol (capítulo VI). Outro aspecto que, de maneira sagaz, Mário de Andrade menciona é a influência dos missionários na cultura brasileira, pois no capítulo XIII descreve que a Suzi agia imoralmente, mas depois de conhecer o Santo Anchienta "não fazia imoralidades". A obra distingue-se da fase romântica em que o índio é idealizado e se aproximava a perfeição. Ao contrário, Macunaíma é muito safado, preguiçoso e suas ações são movidas pelo prazer mundano.

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